segunda-feira, 4 de julho de 2016

PRESO NA OPERAÇÃO AEQUALIS, EX-SECRETÁRIO NÁRCIO RODRIGUES VIRA RÉU NA JUSTIÇA DE MINAS

De acordo com o MPMG, influência do então secretário de Estado de Ciência, Tecnologia e Ensino Superior e ex-presidente do PSDB de Minas, Nárcio Rodrigues, foi determinante para a prática dos ilícitos


A Justiça de Minas Gerais recebeu duas denúncias do Ministério Público de Minas Gerais (MPMG) contra o ex-secretário de Estado de Ciência e Tecnologia e Ensino Superior (Sectes) no governo de Antonio Anastasia (PSDB), Nárcio Rodrigues da Silveira (PSDB) e outras 13 pessoas acusadas de envolvimento em crimes como fraude à licitação, organização criminosa, peculato, lavagem de dinheiro e por embaraçar investigação de crimes que envolvem organização criminosa. 

Sete dos denunciados cumprem prisão preventiva na Penitenciária Nelson Hungria, em Contagem, na Região Metropolitana de Belo Horizonte (RMBH). 

São eles Narcio Rodrigues; Neif Chala, ex-servidor da SECTES e assessor do deputado federal Caio Narcio (PSDB); Alexandre Pereira Horta, engenheiro do Departamento de Obras Públicas de Minas Gerais; Luciano Lourenço dos Reis, funcionário da CWP Engenharia Ltda.; Maurílio Reis Bretas, sócio administrador da CWP Engenharia Ltda; Hugo Alexandre Timóteo Murcho, diretor no Brasil da multinacional portuguesa Yser e da empresa Biotev Biotecnologia Vegetal Ltda; e Odo Adão Filho, suspeito de intermediar a relação com a empresa Yser. 

O presidente da multinacional, Bernardo Ernesto Simões Moniz da Maia, é considerado foragido. Eles, agora, são réus em duas ações penais. 

As denúncias são resultado da Operação Aequalis, deflagrada em 30 de maio de 2016, com o cumprimento de mandados de busca e apreensão e de prisão temporária. 

Na manhã da última quinta-feira, 30, os promotores de Justiça William Garcia Pinto Coelho, do Grupo Especial de Promotores de Justiça de Defesa do Patrimônio Públio (Gepp), e Maria Constância Martins Costa, de Frutal, o controlador-geral do Estado, Dany Andrey Secco, e o tenente-coronel da Polícia Militar Giovanne Gomes da Silva atenderam a imprensa e detalharam pontos da investigação e das denúncias oferecidas à Justiça.

As investigações da Operação Aequalis apontam que, quando o projeto “Cidade das Águas” da Fundação Hidroex passou a ser efetivamente executado, diversos ilícitos ocorreram na gestão dos recursos, tanto na fase de licitação, quanto na seleção dos instrumentos jurídicos, na contratação e na execução dos contratos. 

“A influência do então secretário de Estado de Ciência, Tecnologia e Ensino Superior e ex-presidente do PSDB de Minas, Nárcio Rodrigues, foi determinante para a prática dos ilícitos”, explica William Garcia.


Obras para construção da “Cidade das Águas”
Uma das denúncias aponta que licitação para construção do complexo “Cidade das Águas” foi direcionada para beneficiar a Construtora Waldemar Polizzi ltda. (CWP). 

O edital da licitação previa cláusulas que restringiram a competição e afastaram outros licitantes. 

Dessa forma, apesar de 32 empresas acessarem o edital e 16 realizarem visitas técnica no local das obras, apenas 5 apresentaram propostas, sendo 4 delas inabilitadas por não preencherem os requisitos do edital. 

Durante a operação Aequalis, foi encontrada impugnação ao edital elaborada por uma construtora que participou do certame. 

No documento, que não foi juntado aos autos do processo licitatório, a empresa questionava pontos do edital. Assim, sendo a única empresa habilitada, a CWP teve aberta a sua proposta comercial, assinada por dois dos denunciados.

De acordo com as investigações e a partir de análise técnica do edital e da dinâmica do procedimento, o MPMG concluiu que ocorreu o direcionamento da licitação para  beneficiar  a  empresa CWP, por meio, por exemplo, de exigência de capacidade técnico-operacional injustificada e da vedação da participação de consórcio também sem motivação. 

Cinco pessoas foram denunciadas por fraude à licitação (art. 90 da Lei n.º 8.666/93)

Organização Criminosa e desvio de recursos públicos na execução das obras
Sete pessoas, incluindo os ex-secretários, foram denunciadas por organização criminosa e por desvio de recursos públicos (peculato) ocorridos, desde 2011, na execução do contrato de obras pela empresa CWP. 

Segundo o MPMG, a associação era chefiada pelo então secretário, que foi o idealizador da Fundação Hidroex, com a participação de outros funcionários da secretaria e representantes da empresa CWP. 

A denúncia aponta que, após garantida a contratação da empresa, por meio do direcionamento no procedimento licitatório, agentes públicos e privados se associaram para operacionalizar o desvio de recursos públicos na execução das obras públicas, mediante pagamentos  por serviços não executados, executados de forma diversa ao contratado, pagamentos em duplicidade e através da diminuição do desconto percentual após a celebração dos termos aditivos. 

“A organização criminosa adotava estratégias para ocultar a prática dos desvios. Os pagamentos ilícitos eram calçados por  medições durante  a  execução  do  contrato que não correspondem à realidade.”, ressalta o promotor de Justiça do Gepp. 

De acordo com as conclusões da equipe  técnica  da  Controladoria-Geral  do  Estado (CGE),  os ilícitos praticados causaram dano ao erário de R$8.771.734,66.

Foi apurado ainda que três dos denunciados atuaram, nos anos de 2015 e 2016, para embaraçar as investigações do MPMG e da CGE e ocultar os ilícitos cometidos por meio de falsificação de diários de obras.

Grupo Yser 
De acordo com a outra denúncia, no primeiro semestre do ano de 2012, em Minas Gerais, representantes do Poder Público e do grupo português Yser firmaram acordo ilícito informal para realizar o desvio de recursos públicos em troca de benefícios financeiros e financiamento de campanha. 

Sete pessoas, incluindo o ex-secretário de Estado de Ciência e Tecnologia e Ensino Superior, foram denunciadas.

O MPMG apurou que o então secretário de Estado solicitou aos representantes do grupo, para financiamento de campanha eleitoral, o pagamento de vantagem indevida no valor de R$3 milhões. 

O presidente e o diretor executivo do grupo concordaram com a proposta caso o ex-secretário beneficiasse o Grupo Yser com atos ilícitos no valor de R$15 milhões, por meio de “financiamento a fundo perdido” (doação de dinheiro por parte do governo de Minas), e de um terreno de 20 mil m².

“A atuação de um intermediário foi essencial no esquema criminoso, garantindo ambiente favorável para o vínculo de confiança entre os dois lados das negociações corruptas”, explica o promotor William Garcia.

Segundo as investigações, o ex-secretário solicitou e recebeu do grupo, por meio do intermediário, no segundo semestre de 2012, R$ 400 mil euros, para suposto financiamento de campanha eleitoral. 

O pagamento da propina ocorreu mediante metodologia de lavagem de dinheiro conhecida como “estruturação” (fracionamento de uma grande quantia em pequenos valores visando a escapar do controle de movimentações financeiras vultosas e dissimular a origem e o destino do valor total transferido), por meio de contas bancárias em paraísos fiscais (Samoa e Hong Kong).

Em 2014, como contrapartida ao pagamento da propina, os sete denunciados desviaram R$ 4.748.136,00 para a empresa SRN Comercial e Importadora e Exportadora S.A, que integra o Grupo Yser, e R$ 250 mil para a Fundação de Amparo à Pesquisa da Universidade Federal de São João Del Rei (Fauf), por meio de um Termo de Cooperação Técnica.

“O Termo de Cooperação Técnica foi utilizado como artifício para conferir aparência de legalidade ao desvio de recursos públicos. A Fauf foi utilizada como plataforma para a execução ilícita do TCT”, acrescenta Garcia.

Ainda segundo o MPMG, em 2014, após os desvios por meio do TCT, o ex-secretário recebeu de representantes da Yser R$ 259 mil reais. 

O pagamento se deu mediante lavagem de dinheiro, com a simulação de contrato de “prospecção de projetos no continente africano” com a FGA Assessoria e Negócios Ltda., empresa constituída em nome de laranjas do intermediário. 

Cidade fantasma
O promotor de Justiça William Garcia chama a atenção para dois pontos que, segundo ele, agravam o dano à coletividade: “O tema água gerou uma expectativa nos cidadãos de busca de novas tecnologias e inovação para solucionar um problema de escassez, que é crônico.  

Além disso, uma multinacional vindo ao Brasil fazer o pagamento de propina para financiamento de campanha mostra como o poder econômico internacional influencia decisivamente nas escolhas daqueles que serão eleitos pela população, fragilizando o próprio regime democrático”.

A promotora de Justiça de Frutal Maria Constância também lamentou que a “Cidade das Águas” tenha se transformado em uma frustração para a população de Frutal. 

“Não sei se é possível reparar o dano moral à coletividade. O que era para ser um instituto para estudar as águas se transformou em um elefante branco. A cidade das águas é hoje uma cidade fantasma”, afirma.

Cooperação nas investigações
As investigações foram conduzidas pela Promotoria de Justiça de Defesa do Patrimônio Público de Frutal e pelo Grupo Especial de Promotores de Justiça de Defesa do Patrimônio Público (GEPP). 

Durante as apurações, o MPMG empregou técnicas especiais de investigação, entre elas a colaboração premiada, interceptação telefônica, quebra de sigilo fiscal e bancário, ação controlada, análise de vínculos e busca e apreensão.

“A eficiência na articulação e cooperação interinstitucional foi fator decisivo na investigação”, aponta o promotor de Justiça William Garcia. 

As investigações da Operação Aequalis foram realizadas através da conjugação de esforços do MPMG, da Controladoria-Geral do Estado, das Polícias Militar e Civil e da Secretaria de Estado e Fazenda.

Além disso, o MPMG, através do Departamento de Recuperação de Ativos e Cooperação Jurídica Internacional (DRCI), do Ministério da Justiça, buscou a cooperação internacional com autoridades da Suíça, Hong Kong e Samoa. Além disso, mantém interlocução com Ministério Público Português acerca do das atividades do Grupo Yser no Brasil.

Confira trechos da entrevista (áudio 1 áudio 2) e organograma apresentado durante a coletiva.


Nova denúncia
Nárcio Rodrigues, preso na Operação Aequalis, foi novamente citado em esquemas de corrupção no governo de Minas Gerais. 

Investigação da Controladoria-Geral do Estado (CGE-MG) repassada ao Ministério Público Estadual aponta envolvimento da Fundação de Apoio e Desenvolvimento da Educação, Ciência e Tecnologia de Minas Gerais - Fundação Renato Azeredo (Framinas) em uma esquema de desvios de dinheiro que provocou rombo de R$ 20 milhões aos cofres públicos. 

O esquema foi operado no período em que Narcio Rodrigues foi secretário de Ciência, Tecnologia e Ensino Superior, entre 2011 e 2014.

Segundo relatório da CGE, o desvio foi feito por meio de não cumprimento dos termos de um convênio firmado entre a Fundação de Amparo à Pesquisa de Minas Gerais (Fapemig), ligada à secretaria comandada por Nárcio, e a Fundação de Apoio e Desenvolvimento da Educação, Ciência e Tecnologia de Minas Gerais - Fundação Renato Azeredo (Framinas). 

Entre os pontos que permitiram os desvios estão o por recebimento de computadores com especificações técnicas inferiores às previstas no termo técnico (R$ 5,8 milhões), não funcionamento de 11 unidades da Universidade Aberta e Integrada de Minas Gerais (Uaitec) (R$ 4,2 milhões), pagamento de serviço sem comprovação de que foi realizado (R$ 2,2 milhões) e sobrepreço na compra de lousas interativas (R$ 1,1 milhão). 

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