segunda-feira, 19 de setembro de 2016

CORTES, POLÍTICAS SOCIAIS E MERITOCRACIA

De maneira gradativa, Universidade Federal de Lavras vem realizando cortes em áreas 'sensíveis' da instituição
Alojamento estudantil da UFLA possui 2 blocos de moradia e um apartamento para hóspedes. Obras do 3º bloco estão totalmente paralisadas

Na semana em que o Blog O Corvo-Veloz publicou, com exclusividade, uma reportagem sobre os problemas que a Universidade Federal de Lavras (UFLA) enfrenta na condução da pasta de políticas sociais, 1.744 novos estudantes de graduação ingressaram na instituição.

E o número ainda deve aumentar, uma vez que novas chamadas estão em andamento. Com isso, cresce no orçamento da instituição a demanda por auxílio financeiro, moradia estudantil e outros demandas.

A UFLA junta os recursos vindos diretamente do Programa Nacional de Assistência Estudantil (PNAES) do governo federal com recursos próprios, formando uma única política, denominada de Programa Institucional de Bolsas (PIB), que na instituição são pagas no valor de R$300,00.

O decreto do PNAES garante que cada instituição federal de ensino superior possa definir os critérios e a metodologia de seleção dos alunos de graduação a serem beneficiados. 

Por meio dos recursos do programa, as universidades podem investir na manutenção dos serviços de moradia, alimentação, transporte, atenção à saúde, inclusão digital, cultura, esporte, creche.

O Plano Nacional de Assistência Estudantil indica como prioridade aqueles estudantes com renda de até um salário e meio per capita. 

O repasse dos recursos do programa para as instituições leva em consideração o número de alunos matriculados em cursos presenciais e o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) do Estado no qual a instituição está instalada. 

Ao defender os critérios que norteiam a assistência estudantil, o pró-reitor adjunto de Graduação da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Walmir Caminhas lembrou em recente reunião com os estudantes da instituição para esclarecimentos e prestação de contas que, diferentemente de outras instituições, a universidade não exige desempenho acadêmico para que estudantes sejam assistidos, "porque a assistência é um direito", disse. 

Por meio de gráficos, ele mostrou que a evasão é menor entre os estudantes assistidos e que, em 73 dos 75 cursos de graduação, a maior parte dos alunos assistidos tem desempenho superior à média dos não assistidos.

Vulnerabilidade social X meritocracia
A nova pró-reitoria de Assuntos Estudantis e Comunitários (PRAEC), professor Ana Paula Piovesan Melchiori, que cuja gestão é alvo de insatisfações e polêmicas internas, disse à reportagem que a Universidade Federal de Lavras não tem previsão de aumento bolsas de assistência estudantil.

"Os critérios de concessão de bolsas não mudaram, eles são os mesmos desde a criação do Programa de Bolsas Institucionais. Nele, são atendidos de forma prioritária os estudantes com maior grau na escala de vulnerabilidade, conforme o número de bolsas disponíveis. Sendo aprovado, o estudante é informado que a sua bolsa tem validade pelo período estabelecido no edital e que a manutenção da bolsa está condicionada à renovação da candidatura nos editais subsequentes, além de estar dentro da faixa de vulnerabilidade prevista em cada edital", afirmou.

Apesar do posicionamento de que não haverá mudanças nos critérios de concessão das bolsas, que são baseados na avaliação socioeconômica, o corte tem sido realizado gradativamente, sem alarde, a cada renovação de candidatura do estudante, por meio da pontuação.



A UFLA já chegou a ofertar 1.500 bolsas para os estudantes de graduação. Entre março e abril de 2015, esse número caiu 1.450.

Atualmente, a Universidade Federal de Lavras disponibiliza 1.300 bolsas, ou seja, já são 200 que foram cortadas. 

A queda no número de bolsas contrasta com o aumento no número de estudantes em situação de vulnerabilidade econômica na UFLA.

De acordo com fontes do alto escalão da universidade, em 2015, a direção da instituição iniciou, sem fazer alarde, uma política mais dura de cortes em repasses para diversas áreas. 

Após reeleição do reitor José Roberto Soares Scolforo, os cortes se intensificaram, sob o comando da Pró-Reitoria de Planejamento e Gestão (PROPLAG).


Promessa de campanha, o corte da matriz do Diretório Central dos Estudantes (DCE) e dos Centros Acadêmicos (CA's) foi um dos primeiros a ser executado após a reeleição.

Moradia estudantil e novo regulamento
O crescimento do número de estudantes não acompanha a ampliação das vagas de moradia estudantil. Com a obra do Bloco III do Alojamento Estudantil, popularmente conhecido como Brejão, totalmente paralisada, a direção da universidade se viu num grande desafio.

A moradia é um dos principais programas da política de assistência estudantil da Universidade Federal de Lavras.



Além do atraso na obra, o desafio de remanejar vagas, a Pró-Reitoria de Assuntos Estudantis e Comunitários vai fazer modificações no regulamento geral do Brejão. O órgão também vai fazer o monitoramento do desempenho acadêmico dos moradores dos alojamento, independente do critério socioeconômico em que o morador se enquadrar.

Conflitos na nova gestão da política social
Com a reeleição, em junho deste ano houve mudanças na equipe do alto escalão da universidade. A gestão da PRAEC então, agora sob o comando da professora do Departamento de Ciência da Computação (DCC), Ana Paula Piovesan Melchiori, passou a ser alvo de reclamações por parte da comunidade acadêmica e polêmicas.

É o caso de um episódio ocorrido durante o período de férias letivas. Os estudantes da instituição foram proibidos de fazer a retirada de marmitex no Restaurante Universitário (RU) portando carteira estudantil em nome de outro usuário.

De acordo com os estudantes ouvidos pela reportagem do Blog O Corvo-Veloz, o fato sempre aconteceu e somente agora houve esse impedimento, que só foi comunicado no ato da retirada no restaurante.

Eles disseram ainda que muitos colegas, em virtude da rotina de compromissos acadêmicos, muitas vezes não tem como comparecer ao RU e então pedem a um colega para fazer a retirada do marmitex em seu nome.

Para justificar a proibição, a Pró-Reitoria de Assuntos Estudantis e Comunitários alegou que se trata de uma norma já estipulada oficialmente e que os estudantes estariam “pegando marmita e vendendo por mais caro”.

A alegação de uma suposta "venda de marmitas" deixou perplexos os discentes da UFLA. Procurada pela reportagem, a pró-reitora Ana Paula Piovesan Melchiori negou que houvesse proibido o fornecimento de marmitex aos estudantes em nome de outro usuário do restaurante. 

Segundo ela, houve "um ajuste no procedimento previsto no Regulamento do Restaurante Universitário". 

Apesar deste ajuste no regulamento ter sido aprovado em 2013, como não houve publicidade e fiscalização, a retirada das marmitas desta forma sempre ocorreu, com o conhecimento da própria PRAEC.

Pesquisa nacional
Dois terços dos alunos das universidades federais que participaram espontaneamente da pesquisa que traçou o perfil socioeconômico dos estudantes têm origem em famílias com renda média de 1,5 salário mínimo, representando 66,19%.

Ainda de acordo com a pesquisa, 42% dos estudantes disseram que a dificuldade financeira atrapalha o desempenho acadêmico.

Este foi um dos dados apontados pela pesquisa divulgada pela Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior (Andifes) na semana passada, conforme repercutido pela Assessoria de Comunicação Social em Estudo aponta mudanças no perfil dos estudantes nas universidades, após cotas.

Os números demonstram uma significativa alteração no perfil dos estudantes, visto que se consideradas apenas as regiões Norte e Nordeste, o percentual de estudantes com perfil  no Plano Nacional de Assistência Estudantil (PNAES) atinge 76,09% e 76,66%, respectivamente.

À época da primeira pesquisa, o total de estudantes com até 1,5 salário mínimo era de 44%, o que significa em um aumento de 50% de estudantes com perfil PNAES.

Além disso, em números absolutos, de 2003 a 2014, os estudantes que se autodeclaram negros eram 27 mil, hoje são 92 mil, o que representa que o número de negros nas universidades brasileiras triplicou, nos últimos anos.

O levantamento contou com a participação de 130 mil discentes de 62 universidades federais, totalizando 146 tabelas com informações que retratam uma mudança expressiva, sobretudo, no que diz respeito à crescente utilização do Enem a partir de 2009, à adesão das instituições federais ao Sisu, à vigência da Lei das Cotas, a partir de 2013, e também aos novos campi implantados na política de interiorização das universidades federais.

Governo federal
O secretário de Educação Superior (Sesu) do Ministério da Educação, Paulo Barone anunciou, durante a CLIV reunião ordinária do Conselho Pleno da Andifes, realizado em agosto que o orçamento do PNAES para 2017 estará preservado de cortes por parte do governo federal.

Em 2011, o governo federal investiu no programa R$417.424.924,71; em 2012 foram R$512.809.338,68 (crescimento de 22,85%); em 2013 foram R$637.604.349,32 (crescimento de R$24,33 %); em 2014 foram investidos R$713.567.760,01 (um crescimento de 11,91 %): em 2015, até setembro daquele ano, o governo federal havia investido R$895.026.718,00 (crescimento de 25,42 %).

Outros cortes
Outro sensível da instituição, o serviço de vigilância patrimonial foi um dos mais afetados pelo contingenciamento e corte de gastos.

O campus da UFLA possui uma imensa área, cercada por grandes áreas verdes. São 600 hectares de área, sendo 250.000 m² de área construída.

Em 2015, com a política de cortes, os vigilantes tiveram o contrato de trabalho encerrado e iniciou-se um novo contrato, agora sendo formalizados como vigias. Além da alteração no padrão funcional, uma vez que a atuação do vigia é mais limitada em relação a de vigilante, houve redução salarial e de benefícios.

Hoje, de acordo com a Pró-Reitoria de Planejamento e Gestão, a Universidade Federal de Lavras possui 44 postos de trabalhos de vigias, sendo 22 vigias diurnos e 22 vigias noturnos.

O outro lado
A reportagem do Blog O Corvo-Veloz procurou a Universidade Federal de Lavras para ouvir a posição da instituição e da PRAEC.

Entre os questionamentos, foi perguntado sobre a acusação feita contra a comunidade discente da instituição de que haveria uma suposta "venda de marmitas". A Pró-Reitoria de Assuntos Estudantis e Comunitários e a direção da universidade se mantiveram em silêncio em relação a este assunto

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