quarta-feira, 18 de outubro de 2017

"É POSSÍVEL ENCONTRAR CAMINHOS QUE POSSAM REDUZIR A INTOLERÂNCIA", DIZ PROFESSOR DA UFLA

Projeto de extensão desenvolvido na Universidade Federal de Lavras quer aproximar a comunidade da filosofia
Doutor em filosofia e professor da Universidade Federal de Lavras, André Chagas coordena o projeto. Em entrevista ao Blog O Corvo-Veloz ele fala sobre a contribuição da filosofia para sociedade e sua importância na educação

O cenário global tem se mostrando desafiador e incerto nos últimos tempos. As nações, além de seus problemas internos, vivem às voltas com a atual conjuntura mundial, onde temas como direitos humanos, meio ambiente, globalização e, principalmente, a economia, tomam boa parte do pensamento dos líderes, da iniciativa privada, mídia e comunidade internacional em geral.

Frente a este panorama, é preciso também pensar na filosofia. Tudo o que compõe a vida do ser humano é objeto de estudo da filosofia.

Entender a dimensão dos valores éticos, a formação do estado moderno, bem como as preocupações com a cidadania, com experiências positivas e que frustram sua existência. A filosofia ajuda a pensar.

Com está visão, vem sendo desenvolvido em Lavras, no Sul de Minas, o projeto de extensão "Interseções Filosóficas". A ação visa levar às pessoas de Lavras e região discussões atuais e relevantes à vida em sociedade, estabelecendo, dessa maneira, um elo entre o que é produzido no ambiente acadêmico da Universidade Federal de Lavras (UFLA) e a comunidade.

Nesta semana, será realizada segunda edição do projeto, que assim como a primeira, foi pensada no formato de cine debate.

O filme a ser exibido será "O ódio", de Mathieu Kassovitz, que pretende fornecer elementos para, em seguida, iniciar uma conversa guiada pelo professor de Ciência Política, Marcelo Sevaybricker, do Departamento de Ciências Humanas (DCH) da UFLA.

O intuito deste evento é promover a reflexão e ampla discussão sobre a época em que vivemos, associando o tema - o ódio e a intolerância - à polarização e radicalização político-eleitoral do Brasil, de 2015 para cá, às manifestações racistas e neonazistas nos EUA, aos movimentos xenófobos na Europa etc.

O II Interseções Filosóficas acontecerá no Centro Cultural Costa Pinto, antiga estação Costa Pinto, no próximo sábado, 21, às 17h. O evento é gratuito, aberto a todo o público e os participantes terão direito a certificado de participação.

As inscrições antecipadas em breve poderão ser feitas pelo SIG (para quem tem vínculo com a UFLA) e já podem ser feitas (para quem não tem vínculo com a UFLA) enviando um e-mail para inscricoesfilosofia.ufla@gmail.com, informando o nome completo e CPF da pessoa interessada.

Haverá possibilidade de inscrição de participantes durante o evento, a depender da quantidade de vagas restantes.

E para conhecer um pouco mais sobre o projeto e entender melhor a filosofia em seus vários contextos, o Blog O Corvo-Veloz entrevista André Chagas, doutor em filosofia e professor do DCH da UFLA.

Blog - O mundo passa por profundas transformações, com constantes crises e uma acelerada evolução digital, que além de ajudar a romper barreiras, também criou um certo distanciamento presencial entre as pessoas. Diante destes cenários conturbados e controversos, como a filosofia pode nos ajudar a viver melhor?

André Chagas: É importante destacarmos que a filosofia teve seu desenvolvimento impulsionado pelos momentos de crise, como a decadência da democracia grega, o fim do Império Romano e o advento da Igreja Católica, a Reforma Protestante, a mudança de visão de mundo a partir da Revolução Científica, as duas Grandes Guerras do séc. XX. No nosso país, por exemplo, houve maior espaço para a corrente positivista com o advento da república brasileira, outro momento de certo modo conturbado da nossa história. Notamos que os momentos que mexeram com a humanidade também fizeram com que surgissem importantes teorias filosóficas como meio de fornecer ferramentas que permitissem o ganho de consciência sobre as causas de tais crises e possíveis respostas ou teorias para a superação de tempos tão difíceis. Novamente nos vemos na situação de procurarmos entender o nosso tempo e as possíveis saídas para as nossas angústias. 

Blog - A filosofia veio com força nos últimos vinte anos. Escritores e filósofos brasileiros tem se destacado, inclusive na mídia, e se dedicado a escrever obras com essa temática. Alguns até meio com uma temática de autoajuda. Na sua visão, isso se deve ao fato de que grandes dilemas como o "para onde eu vou?" ou "quem sou eu?", vieram à tona?

André Chagas: Penso que as ditas “questões existenciais” nunca deixaram de participar do repertório humano. Se pensamos, questionamos. Independentemente da origem, crença, idade etc., as pessoas não deixam de tocar nas questões filosóficas, ainda que às vezes sem se darem conta disso. Alguns não avançam tanto na busca por respostas para suas questões, preferindo a adesão irrefletida a certos dogmas, o que pode ser muito perigoso, como parece que testemunhamos nos últimos tempos. Nós, entretanto, que decidimos por tomar o caminho da filosofia, inclusive como profissão, levamos muito a sério os problemas que surgem no horizonte humano, mas também buscamos conduzir nosso pensamento com rigor e crítica para reponde-los à luz de uma tradição de pensadores que dedicaram a vida para a filosofia. É para fazer parte dessa experiência do pensamento filosófico que convidamos o público em geral, não apenas acadêmico, para participar do nosso evento. A popularidade dos diversos intelectuais, por assim dizer, pops da atualidade se dá exatamente pela demanda cada vez maior da população por reflexão de cunho filosófico. 

Blog - Qual a questão filosófica que ultimamente mais lhe tem chamado atenção, e por que?

Com certeza as questões éticas, pois notamos que houve nos últimos séculos grandes saltos científicos e tecnológicos na história da humanidade, mas sem que houvesse o mesmo nível de desenvolvimento no campo das relações humanas e de poder. Inclusive o tema do nosso próximo evento é para refletir sobre coisas que não foram superadas, como o preconceito étnico, a intolerância e a polarização socioeconômica. É estarrecedor que no nosso país ainda haja pessoas que trabalhem em regime de escravidão. Notamos que os principais dilemas que chamam a atenção da maior parte das pessoas sejam do campo da ética ou, em suma, para utilizar um dos motes de uma intelectual contemporâneo, Michael Sandel, buscamos entender o que é fazer a coisa certa. Claro que, como já apontava Aristóteles, a ética não é uma área exata, com respostas claras e definitivas, e por isso se torna um campo em que não há palavra final. Mas, penso que é possível encontrar caminhos que ao menos possam reduzir a intolerância e alimentar o espírito democrático entre as pessoas. 

Blog - Embora ainda ocupe pouco espaço na grande curricular de ensino, a filosofia, assim como a sociologia, são presenças constantes na pauta de processos seletivos, como o Enem por exemplo. Como o senhor vê o ensino de filosofia no Brasil?

André Chagas: É uma pena que no período em que essas disciplinas trilhavam o caminho para se consolidarem no currículo escolar veio uma reforma muito questionável que as colocou novamente numa situação instável. Não sabemos ainda o que irá acontecer antes da apresentação da nova Base Nacional Curricular Comum (BNCC), mas os diversos profissionais das áreas de filosofia e sociologia estão apreensivos sobre o futuro de ambas. É uma situação estranha, pois tenho a impressão de que a maior parte da população considera importante a manutenção das duas disciplinas na grade curricular do ensino médio. Em relação à filosofia, além de ter seu conteúdo próprio, considero que ela vai ao encontro da formação interdisciplinar e transdisciplinar tão almejadas pelos órgãos oficiais que gerem o ensino básico. Espero que eles sejam conscientes sobre as decisões sobre o futuro do ensino nas nossas escolas, sem tomar decisões precipitadas. 

Blog - Como surgiu a ideia deste projeto "Interseções Filosóficas"?

André Chagas: Surgiu a partir da nossa percepção (comissão organizadora) de que há uma demanda da população por eventos voltados para apresentações e debates referentes aos mais diversos assuntos relacionados à filosofia. O espaço por você referido que os diversos intelectuais e tópicos filosóficos ganharam nos últimos anos é a expressão clara dessa demanda. Como temos uma instituição do porte da UFLA no município de Lavras, na qual há muitos docentes de diversas áreas das humanidades, consideramos importante exatamente abrir um espaço em âmbito local para que eles possam compartilhar parte da sua produção intelectual com um público maior, inclusive o não especializado ou que não frequenta a universidade. Devemos lembrar que além do Ensino e da Pesquisa, outra missão fundamental da universidade é a Extensão, que significa o compartilhamento da produção universitária com toda a população, que ao pagar seus impostos também contribui diretamente para a manutenção de instituições públicas como a UFLA. 

Blog - Qual a importância desta iniciativa para a cidade de Lavras e região?

André Chagas: Aproximar a população desse município ainda mais daquilo que é produzido na UFLA, que sem dúvida é reconhecida como uma instituição muito importante para a maior parte dos habitantes do município, mas sem que todos tenham noção da imensa produção intelectual realizada pelos profissionais dessa instituição, não apenas na área de agrárias, muito tradicional na UFLA, mas em outras áreas, como a de ciências humanas. É preciso acrescentar que embora tenhamos maior foco nos temas das humanidades, temos a intenção de incluir temas também vinculados às ciências exatas, às ciências biológicas, à economia etc. 

2 comentários:

Anônimo disse...

Ótima entrevista, ótimo projeto. Parabéns!!!

Luiz disse...

Muito bom ;)